segunda-feira, 14 de março de 2011

Gangorra ideológica, por *Francisco Turra

Há mais de oito anos se discute a Reforma Política no Congresso Nacional, tanto em Plenário como nos corredores. É, portanto, a reforma mais madura e pronta para ser discutida e votada. Na verdade, o Congresso irá fazê-la agora, mas com bastante atraso.

Quando deputado federal, ocupei a Tribuna da Câmara dos Deputados incontáveis vezes para defender a reforma. Até ontem, tinha o sentimento que falara em vão. Hoje, vejo que vozes, como a minha, não deixaram que o grande desejo da sociedade brasileira morresse. Fico agora com o sentimento de que valeu a pena.

Trata-se, porém, de uma reforma bastante complexa e, por mais que queiram os parlamentares, é impossível realizar uma legislação que contemple todos os interesses, até porque eles são diferentes Ou deveriam ser. Infelizmente há uma falta de compromisso ideológico das agremiações políticas nacionais. Algo precisa ser feito para consolidar os programas partidários e obrigar os filiados a segui-los integralmente, quer no poder ou fora dele. 



Assistimos hoje uma autêntica gangorra ideológica, provocada pela vontade dos partidos estarem no poder. O PT, para conseguir apoio no Congresso, se virou para a direita. Partidos de direita se curvaram para a esquerda para estarem no poder. 



São dois verbos que definem bem o que é a gangorra ideológica. “Estar” no governo é o desejo de usufruir o poder alheio, enquanto o correto seria “ser” governo. Bem mais difícil, mais complexo e profundamente mais trabalhoso. Só que para ser governo um partido precisa de um programa afinado com os anseios da sociedade brasileira, que seja inovador, contemporâneo e criativo, ao ponto de mostrar novos caminhos de desenvolvimento social e econômico.


É difícil mesmo. Mas é o único caminho para ser governo, ser protagonista e não coadjuvante. 

Até porque, para ser coadjuvante um partido precisa fechar os olhos para o seu próprio programa e “esquecer” as suas ideologias. Logo as ideologias, tão fundamentais para a consolidação do processo democrático, ao permitir que pensamentos diferentes, opostos até, convivam em um mesmo espaço, expondo suas diferenças, contrapondo argumentos, vencendo e, às vezes, perdendo. Mas sempre aceitando o resultado democrático apresentado pela maioria. 



É possível acabarmos com a gangorra ideológica. Não tenho dúvida alguma sobre isso. Uma maneira seria impedir a coligação majoritária em primeiro turno, obrigando todos os partidos a lançarem candidatos próprios. Reconheço que é impossível adotar esse mecanismo em um país com 27 agremiações políticas, algumas delas com um ou dois deputados federais e outras tantas sem nenhuma representação. Então seria necessário criar cláusulas de barreira mais eficientes, que impeçam a danosa proliferação de legendas, que só serve para confundir a cabeça do eleitor e não acrescenta nada ao processo democrático. Até porque, muitas agremiações chegam a “copiar” o programa partidário de outros partidos. 



Se fizermos hoje uma enquete entre os parlamentares brasileiros para sabermos se eles conhecem realmente o programa de seu partido político, creio (não tenho certeza) que ficaremos espantados e estarrecidos. 

A gangorra ideológica tem um exemplo bem emblemático. Existem vários, mas o mais emblemático ocorreu no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, quando da Reforma Previdenciária. Vários parlamentares petistas que seguiram o programa do PT foram expulsos do partido, porque o presidente, embora seja do mesmo partido, passou a ter uma idéia própria sobre o tema. Quem seguiu as orientações do partido foi expulso, quem não seguiu se deu bem. 



Não quero entrar no mérito do exemplo acima. Não se trata de dizer que o programa do PT estava errado e que segui-lo seria persistir no erro. Não é isso. Só que ele deveria ser corrigido a tempo e a hora, ou seja, antes do período eleitoral. Para isso existem as convenções partidárias e nelas devem ser discutidas as linhas programáticas, que devem e precisam ser corrigidas e adaptadas às mudanças naturais do mundo e do Brasil. 



Ainda no primeiro governo Lula, o que se viu foi o PT se alinhar para a direita para atrair aliados e adversários se curvarem para a esquerda, para estarem no poder. Partidos que apoiaram o candidato do PSDB nas eleições e, com a vitória de Lula, correram para os seus braços, como se nada tivesse acontecido. 



É aí que começa a desconfiança do eleitorado com a classe política. Ora, um eleitor que votou em José Serra, de repente, vê um político que criticava Lula aos quatro cantos cair nos braços de Lula, elogiando o então adversário político. 



A gangorra ideológica precisa acabar. O compromisso de um homem público precisa ser respaldado em ideologias claras e transparentes, que devem ser discutidas com a sociedade, através dos programas de radio e televisão e nas campanhas eleitorais. É preciso acabar com a acomodação política. Não podemos conceber que poucos políticos insatisfeitos com algumas regras de seu partido simplesmente criem uma nova agremiação. É no seio partidário que se devem iniciar os debates democráticos e a exposição de diferenças ideológicas. Não se pode mais conceber a idéia de que, por causa de dois artigos do programa partidário, um pequeno grupo de insatisfeitos crie um novo partido, para adotar o mesmo programa e suprimir apenas os dois artigos. 


A reforma em andamento no Congresso pode paralisar a gangorra e deixar as ideologias em seus espaços, diferentes, bem claros e definidos, para felicidade geral da Nação. A população agradeceria profundamente.


FONTE: www.miltomcampos.org.br

* Francisco Turra é Presidente da Fundação Milton Campos

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